quarta-feira, 2 de março de 2011

O DIAGNÓSTICO PRECOCE EM SAÚDE MENTAL E A PREVENÇÃO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA


Poucas especialidades sofreram tantos preconceitos, no decorrer do tempo, como a Psiquiatria e a Psicologia em nossa cultura. Poucos pacientes foram tão estigmatizados, e impedidos, por isso, de terem acesso a tratamentos adequados, como os acometidos por distúrbios psiquiátricos.
Apesar de tantos avanços tecnológicos, ainda persistem os preconceitos relativos a esses distúrbios, fazendo com que os pacientes se envergonhem deles por serem considerados como fraqueza, falta de força de vontade em melhorar, entre outros.
Os distúrbios psiquiátricos, apesar de serem físicos, por envolverem, por exemplo, em sua sintomatologia clínica questões ligada a neurotransmissores, são erroneamente julgados apenas pelas suas manifestações psíquicas.
As famílias destes pacientes, talvez por falta de informações coerentes, se enchem de pudor e culpa. Sentem que ao buscar ajuda estariam tornando pública sua intimidade, denunciando a falência e a fragilidade de seus vínculos intrafamiliares.
Outra questão a se levar em conta é a capacidade dos seres humanos de se adaptarem as suas próprias “esquisitices” e de negá-las nas pessoas mais próximas. Apenas quando se tornam insuportáveis, é que se pensa em procurar ajuda especializada.
Os profissionais em saúde mental são muitas vezes tratados com descrédito, não se levando em conta a fidedignidade científica dos tratamentos psiquiátricos medicamentosos e/ou psicoterapêuticos.
Em um momento em que se combate intensamente a questão do narcotráfico, estamos perdendo a guerra para os “usuários”, que alimentam a “lei da oferta e da procura”. Não conseguem vislumbrar que o uso abusivo de substâncias entorpecentes, como o álcool e/ou outras substâncias químicas, iniciam-se muitas vezes, como tentativas vãs de automedicação.
A história relatada pelo médico Cardiologista Dr. Olivier Ameisen em seu livro “O Fim do Meu Vício”, retrata sua luta para superar o alcoolismo, abordando de forma extraordinária essas questões.  O autor enfatiza sua dificuldade em tratar seus distúrbios psíquicos tardiamente, quando já se encontravam agravados pela sua associação à dependência do álcool.
O livro retrata a trajetória de sua doença, incluindo a severa ansiedade que já o acometia desde a infância, e a progressão para o alcoolismo. Em um relato dramático o autor considera que uma de suas maiores dificuldades, foi o rompimento do anonimato devido ao preconceito, que na condição de médico, sofria de uma dependência do álcool.
Relata que uma sensação de angústia e inadequação que o perseguia desde a infância, fora acentuada pelo estigma moral da dependência, o que aumentava sua resistência em admitir o problema.
Investigando o fator de hereditariedade, considerado no meio médico um fator importante no diagnóstico e tratamento do alcoolismo, relata que esse não era o seu caso, já que em sua família raramente faziam uso de bebidas alcoólicas. Passando a acreditar que o que importa no histórico familiar é a disforia (oposto da euforia), o que volta ao longo das gerações, ou seja, um enfado crônico que levaria as pessoas, em graus diferentes, ao vício e a outros comportamentos compulsivos:
“Nos tratamentos contra o vício, percebeu-se há muito tempo que muitas pessoas que sofrem de dependência de diferentes substâncias e tem comportamentos compulsivos demonstram com freqüência, sintomas de ansiedade, depressão e/ou distúrbios de personalidade ou de humor.”
Considera que o conceito de diagnóstico duplo ou comorbidade (existência de duas doenças ao mesmo tempo), onde uma é considerada primária e a outra (ou outras) secundária, se torna de vital importância tanto para o diagnóstico, como para o tratamento.
Sua conclusão é de que, apesar do vício gerar seus próprios ciclos de ansiedade e depressão, há geralmente um distúrbio subjacente, pré-dependência, que cria um cenário para o “comportamento viciado”:
“Para ser mais direto: ansiedade, depressão, compulsividade e outros transtornos subjacentes, vêm primeiro. Tive problemas com ansiedade muito antes de me tornar alcoólico. Disse a todos os meus médicos que usava álcool como tranqüilizantes.”
A dependência química é um estágio avançado de um processo essencialmente biológico, presente nas morbidades pré-adição, de um transtorno de humor, que se revelam por uma ânsia incontrolável por uma substância viciante.  Estas seguem o mesmo modelo do desejo físico e psicológico, liberando os mesmos hormônios e ativando as mesmas regiões do cérebro.
A importância das considerações feitas pelo Dr. Oliver Amiensen, residem no fato de que o diagnóstico precoce e o tratamento dos transtornos subjacentes a pré-dependência, podem ser úteis na prevenção de comportamentos posteriores de dependência química, de diferentes substâncias.
Os sintomas de ansiedade, depressão e/ou outros distúrbios da personalidade ou de humor, já aparecem na infância. Se geralmente são incrementados durante a adolescência. O papel da família é de suma importância para o diagnóstico e tratamento precoce, tendo em vista a fragilidade psíquica das crianças e adolescentes.
Quando por falta de informação ou preconceito, esses jovens são deixados a deriva de seus poucos recursos, a “solução” encontrada por eles, geralmente irão em direção à dependência de substâncias químicas como alternativas de automedicação.

Um comentário:

  1. Li há pouco uma entrevista com o Dr.Amiensen, e ele me impressionou com tanta coragem e generosidade ao transmitir sua história sobre o alcoolismo.
    Bjs,

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