domingo, 13 de março de 2011

40 ANOS: CRISES E DESAFIOS

A crença cultural de que há poucas mudanças imprevisíveis na idade adulta é perigosa. Nós teremos que fazer ajustes ao longo de toda nossa vida, e muitos deles, em épocas em que pensamos estar estáveis e em segurança.
É justamente por isso que somos pegos de surpresa ao fazermos quarenta anos. Algumas crises começam ou se acentuam justamente nesta fase, os problemas psicológicos, muitas vezes até então inconscientes, começam a emergir.
Alguns de nós nos deixaremos levar pela crise sem tomar consciência disso, mal percebendo seus efeitos, enquanto outros, a perceberão de forma mais intensa. O fato é que todos nós nos confrontaremos com as profundas realidades de desenvolvimento desta época da vida.
Há quem sinta esses sintomas em um nível muito intenso, como uma verdadeira crise; outros evitaram uma crise plenamente desenvolvida, mas ainda assim, notarão uma diferença sutil de atitudes, sentimentos e comportamentos. Muitas pessoas simplesmente se referem a um vazio que é ao mesmo tempo profundo e inexplicável.
Questões relativas à identidade pessoal surgem nessa época. Valores e metas que nunca foram questionados, agora se tornam assunto de debate interior. A maioria das pessoas sente alguma mudança física, de relacionamento, ou profissional; ou uma ansiedade que pode não ter uma fonte nítida, depressão, desilusão, ou desespero.
Se a passagem dos quarenta anos será simplesmente um evento da vida que tentaremos deixar de lado, ou se será uma ocasião estimulante para mudar e esclarecer-se, é o que será determinado pelas nossas atitudes em relação a ela, pela disposição de participarmos do nosso próprio crescimento.
Nossos pensamentos e crenças afetam nossa saúde física e nosso bem estar. A forma como vivenciaremos a inevitabilidade de se ficar velho tem sido apontada como mais relacionada ao modo pelo qual pensamos sobre nossas expectativas e convicções a respeito de nosso corpo e a respeito da idade, do que a qualquer outro tipo de processo pré-determinado.
Se aderirmos a um sistema de crenças que supõe que o fato de envelhecer, necessariamente inclui a perda de saúde e da capacidade sensitiva e cognitiva, então, será isso que provavelmente acontecerá. Podemos, ao invés disso, escolher acreditar que a saúde e o equilíbrio sejam o estado natural do corpo por todo o ciclo da vida e que, embora seja inevitável envelhecermos, a doença e os males, que tão comumente são parte desse processo, poderão ser mais bem administradas.
Aos quarenta anos parecemos perceber que “o tempo não para” e que precisamos mudar com ele ou sofrer com as conseqüências. A mudança é inerente as nossas vidas e precisamos seguir essa mudança com nossa percepção e nosso conhecimento.
Tal qual uma folha levada pelo vento, o homem ou a mulher que estiver vivendo uma experiência estagnada verá a vida escorrer por fantasias do que teria sido possível realizar, até que o tempo passe e não haja mais a possibilidade para viver com significação, celebração e graça.
Aos quarenta anos somos questionados a decidir como iremos viver. Podemos continuar a levar a vida como se nada tivesse mudado ou pudesse mudar, ou então podemos nos agarrar a vida e vivê-la verdadeiramente, como jamais fizéramos antes.
A metamorfose que nos permite viver plenamente e celebrar cada manhã estão disponíveis a cada um e a todos nós, como parte de nosso dote humano. Não precisamos ter nenhuma habilidade ou conhecimento especial para nos conduzirmos nessa jornada, apenas boa vontade para olharmos para dentro e nos abrirmos para o nosso potencial.
Camus escreveu: “Nas profundezas do inverno, finalmente aprendi que dentro de mim jaz um incrível verão”. A tarefa que se apresenta diante de nós é começar, e esse nosso começo vai requerer uma descida ao mundo interior. Tarefa que as psicoterapias podem ajudar e muito.
Chegar ao entendimento de nossa própria natureza autêntica pode ser um empreendimento complexo. Primeiramente, porque estamos sempre mudando, de modo que nenhuma definição pode ser totalmente estática. Segundo porque, esta é uma nova oportunidade para saber a verdade a respeito de nós mesmos.
Ambos são elementos inerentes à nossa natureza e ambos tendem a vir à luz em nós, caso desejemos, e isto significa vivermos sem auto-ilusão, nem auto-engano.  É descobrir nosso pleno sentido de vida, independente das expectativas que os outros têm a nosso respeito.
Considero fascinante o que Matthew Kelly escreve em seu livro “O ritmo da Vida” (Ed. Sextante):
“O dia em que aceitarmos a idéia de que escolhemos escolher nossas escolhas será aquele em que romperemos os grilhões e deixaremos a condição de vítimas, ficando livres para construir as vidas que nascemos para viver”.
E continua:
“...Madre Tereza tinha 40 anos quando fundou as Missionárias da Caridade.
Henry Ford tinha 50 anos quando inaugurou a sua primeira linha de montagem.
Dom Pérignon tinha 60 anos quando produziu seu primeiro champanhe.
Michelangelo tinha 72 anos quando projetou a cúpula da Basílica de São Pedro, em Roma.
Ichijirou Yordanidis tinha 100 anos quando escalou o monte Fuji.
Quer você tenha 6 anos ou 60 anos de idade, o resto da sua vida está a sua frente. Você não pode mudar nenhum momento do seu passado, mas pode mudar todo o seu futuro. A hora é agora.”

quarta-feira, 2 de março de 2011

O DIAGNÓSTICO PRECOCE EM SAÚDE MENTAL E A PREVENÇÃO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA


Poucas especialidades sofreram tantos preconceitos, no decorrer do tempo, como a Psiquiatria e a Psicologia em nossa cultura. Poucos pacientes foram tão estigmatizados, e impedidos, por isso, de terem acesso a tratamentos adequados, como os acometidos por distúrbios psiquiátricos.
Apesar de tantos avanços tecnológicos, ainda persistem os preconceitos relativos a esses distúrbios, fazendo com que os pacientes se envergonhem deles por serem considerados como fraqueza, falta de força de vontade em melhorar, entre outros.
Os distúrbios psiquiátricos, apesar de serem físicos, por envolverem, por exemplo, em sua sintomatologia clínica questões ligada a neurotransmissores, são erroneamente julgados apenas pelas suas manifestações psíquicas.
As famílias destes pacientes, talvez por falta de informações coerentes, se enchem de pudor e culpa. Sentem que ao buscar ajuda estariam tornando pública sua intimidade, denunciando a falência e a fragilidade de seus vínculos intrafamiliares.
Outra questão a se levar em conta é a capacidade dos seres humanos de se adaptarem as suas próprias “esquisitices” e de negá-las nas pessoas mais próximas. Apenas quando se tornam insuportáveis, é que se pensa em procurar ajuda especializada.
Os profissionais em saúde mental são muitas vezes tratados com descrédito, não se levando em conta a fidedignidade científica dos tratamentos psiquiátricos medicamentosos e/ou psicoterapêuticos.
Em um momento em que se combate intensamente a questão do narcotráfico, estamos perdendo a guerra para os “usuários”, que alimentam a “lei da oferta e da procura”. Não conseguem vislumbrar que o uso abusivo de substâncias entorpecentes, como o álcool e/ou outras substâncias químicas, iniciam-se muitas vezes, como tentativas vãs de automedicação.
A história relatada pelo médico Cardiologista Dr. Olivier Ameisen em seu livro “O Fim do Meu Vício”, retrata sua luta para superar o alcoolismo, abordando de forma extraordinária essas questões.  O autor enfatiza sua dificuldade em tratar seus distúrbios psíquicos tardiamente, quando já se encontravam agravados pela sua associação à dependência do álcool.
O livro retrata a trajetória de sua doença, incluindo a severa ansiedade que já o acometia desde a infância, e a progressão para o alcoolismo. Em um relato dramático o autor considera que uma de suas maiores dificuldades, foi o rompimento do anonimato devido ao preconceito, que na condição de médico, sofria de uma dependência do álcool.
Relata que uma sensação de angústia e inadequação que o perseguia desde a infância, fora acentuada pelo estigma moral da dependência, o que aumentava sua resistência em admitir o problema.
Investigando o fator de hereditariedade, considerado no meio médico um fator importante no diagnóstico e tratamento do alcoolismo, relata que esse não era o seu caso, já que em sua família raramente faziam uso de bebidas alcoólicas. Passando a acreditar que o que importa no histórico familiar é a disforia (oposto da euforia), o que volta ao longo das gerações, ou seja, um enfado crônico que levaria as pessoas, em graus diferentes, ao vício e a outros comportamentos compulsivos:
“Nos tratamentos contra o vício, percebeu-se há muito tempo que muitas pessoas que sofrem de dependência de diferentes substâncias e tem comportamentos compulsivos demonstram com freqüência, sintomas de ansiedade, depressão e/ou distúrbios de personalidade ou de humor.”
Considera que o conceito de diagnóstico duplo ou comorbidade (existência de duas doenças ao mesmo tempo), onde uma é considerada primária e a outra (ou outras) secundária, se torna de vital importância tanto para o diagnóstico, como para o tratamento.
Sua conclusão é de que, apesar do vício gerar seus próprios ciclos de ansiedade e depressão, há geralmente um distúrbio subjacente, pré-dependência, que cria um cenário para o “comportamento viciado”:
“Para ser mais direto: ansiedade, depressão, compulsividade e outros transtornos subjacentes, vêm primeiro. Tive problemas com ansiedade muito antes de me tornar alcoólico. Disse a todos os meus médicos que usava álcool como tranqüilizantes.”
A dependência química é um estágio avançado de um processo essencialmente biológico, presente nas morbidades pré-adição, de um transtorno de humor, que se revelam por uma ânsia incontrolável por uma substância viciante.  Estas seguem o mesmo modelo do desejo físico e psicológico, liberando os mesmos hormônios e ativando as mesmas regiões do cérebro.
A importância das considerações feitas pelo Dr. Oliver Amiensen, residem no fato de que o diagnóstico precoce e o tratamento dos transtornos subjacentes a pré-dependência, podem ser úteis na prevenção de comportamentos posteriores de dependência química, de diferentes substâncias.
Os sintomas de ansiedade, depressão e/ou outros distúrbios da personalidade ou de humor, já aparecem na infância. Se geralmente são incrementados durante a adolescência. O papel da família é de suma importância para o diagnóstico e tratamento precoce, tendo em vista a fragilidade psíquica das crianças e adolescentes.
Quando por falta de informação ou preconceito, esses jovens são deixados a deriva de seus poucos recursos, a “solução” encontrada por eles, geralmente irão em direção à dependência de substâncias químicas como alternativas de automedicação.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

SOBRE O EDUCAR E A EDUCAÇÃO

Questionar as concepções sobre o educar torna-se importante a medida em que vamos percebendo que existem propostas educativas que são "deseducativas". Dar ao filho tudo o que ele quer pode ser mais nocivo do que privá-lo, em algumas situações.
O problema é que educar não é facil, não existem regras fixas para realizar esta tarefa, no máximo alguns conselhos ditados pelo bom senso. É que educar os filhos passa pela necessidade de um verdadeiro relacionamento destes com seus pais, exige um nível de intimidade que muitas vezes chega a incomodar, devido ao fato de nos colocar em confronto direto conosco.
Um confronto com a criança que somos e fomos, com as angústias que não digerimos, com as crises que não superamos, com as marcas que nos deixaram, enfim, com tudo que gostaríamos de dar conta e ainda não conseguimos.
Para educar é preciso se educar, se conhecer e conhecer o outro, já que o filho até pode se parecer com você, mas não é, nunca foi, e nunca será você. Educar é um caminho que se constrói na relação com o outro, onde mais do que estar certo ou errado, é estar com o outro.
É uma relação dinâmoca onde as necessidades são percebidas, consideradas, respeitadas, mas satisfeitas a medida do possível. É um intercâmbio que nos ensina, na medida em que ensinamos, a tolerar frustrações, um dos mais valiosos segredos da vida, porque nos ensina a pensar, educar é ensinar a pensar.
Quem não tolera frustrações, não desenvolve a capacidade de pensar, se limita a ficar reproduzindo padrões esteriotipados, regras fixas ditadas por modismos, referências que usualmente vem de fora. Educar é poder se olhar e olhar o outro com franqueza, valorizando o que é essencial, ao mostrar que a verdadeira conquista do ser humano é o domínio que se pode ter sobre sí mesmo.
É aprender compartilhar sonhos, sonhar juntos, sem perder a perpectiva do que é possível realizar. É realizar juntos, com o direito a errar quantas vezes for preciso ou inevitável, e ao olhar para trás, sentir que não foram erros, apenas tentativas necessárias para que tudo pudesse se ajeitar.
É poder sorrir e chorar juntos, é poder entender e não entender, se magoar e perdir perdão. Educar é fazer valer a pena o tempo que passamos juntos, torná-lo insubstituível, é amar e se sentir amado, vivênciar esse sentimento único e capaz de preencher verdadeiramente nossas vidas.
É uma relação dinâmica como a vida, onde aprendemos juntos e construímos juntos um sentido de vida, para que um dia, ao nos separarmos, juntos levarmos dentro do coração a grandeza do tempo que passamos juntos.

O LUTO NOSSO DE CADA DIA

Por não alcançarmos o sentido de transformação que existe no processo de desapego, no processo de luto diário que realizamos a cada momento, nos tornamos reféns de nossa própria insegurança, o que gera angústias intermináveis. Sentimos medo do desapego, pois geralmente ele vem com um sentido de perda.
Não conseguimos vislumbrar a importância organizadora e transformadora da dor e da frustração. O ato de negarmos os lutos faz com que vivamos de forma inconsciente, não entramos em contato com o poder transformador que existe em nós. É na dor que aprendemos pensar, e o pensar aciona nossa capacidade de modificar as situações.
Acredito que essa tendência a estar inconsciente que mencionei, talvez tenha suas raízes na tentativa que temos de evitar entrar em contato nossa morte física, o grande e assustador mistério da vida.
Nada contra a tentativa de defesa psíquica que desenvolvemos para não estarmos o tempo todo nos angustiando com a possibilidade de nossa própria morte, a não ser pelo fato de que isso pode fazer com que não entremos em contato com aspectos significativos de nossas próprias vidas.
 Enquanto estivermos vivendo de forma inconsciente, vivemos no escuro, tropeçamos e caímos, não estamos no presente, nem para o mundo e nem para nós mesmos. É como se, estivéssemos de certa forma, mortos. Não usamos plenamente nossa capacidade de ver, ouvir e sentir. Não usamos nossos sentimentos, somos usados por eles, nos tornamos vítimas de nós mesmos.
Quando passamos a viver de forma consciente, começamos a descobrir que muitas coisas, com as quais nos apegávamos se esvaem, perdem o valor desproporcional que a elas atribuíamos. Enquanto vivemos de forma inconsciente, vivemos em nosso próprio mundo, não compartilhamos, não conseguimos ter com os outros um mundo em comum.
Temos apenas um mundo “incomum”, vivemos enclausurados em nosso próprio mundo, em nossos próprios pensamentos, conceitos sonhos e desejos, não nos relacionamos verdadeiramente. Tudo tem que ser apenas do nosso jeito e, quando encontramos outras pessoas, os mundos particulares entram sempre em choque, todos querem ter razão.
Em seu livro “consciência”, Osho nos fala sobre a importância de entrarmos em contato com a morte, sobre o quanto isso pode re-significar nossas vidas. Quanto mais fundo exploramos a morte, mais fundo exploramos a vida.
Viver de forma consciente é nos darmos conta dos nossos pensamentos e atitudes, percebermos que muitas coisas que costumávamos fazer já não nos são necessárias. Fazemos nossos pequenos lutos diários com serenidade, e assim realizamos mudanças significativas, propiciando-nos qualidade de vida.
A importância desse exercício consiste em podermos perceber que são esses pensamentos que afetam diretamente tudo que é importante em nossas vidas. São eles que afetam tudo que fazemos e o que deixamos de fazer, afetam tudo. E a soma disso tudo vai ser a nossa vida!

ENTRE O AGIR E O REAGIR: UMA SIMPLES PROPOSTA

Quando você reage, significa que alguém está tendo uma atitude que desencadeia em você uma determinada resposta. O verdadeiro dono da situação é o outro, você fica determinado a sempre reagir ao que o outro te propõe, você não propõem nada.
.Se o outro o elogia você fica feliz, se o outro o insulta você fica com raiva, um verdadeiro fantoche na mão das pessoas. Se você age, pode ser espontâneo, poderá ser livre, e a primeira libertação é parar de por a culpa nos outros, a primeira libertação é saber que você é o responsável por você e pela sua vida.
Se continuar a por a responsabilidade nos outros, você será sempre um escravo, pois ninguém pode mudar ninguém. Você tenta encontrar a causa de seu comportamento no outro, gastando toda sua energia querendo saber o “por que” o outro age assim com você.
Você vai criando hábitos que obrigam você a fazer certas coisas, você se torna uma vítima. Em essência sua vida continuará a mesma, cada ato que você repete, cada pensamento ou ação tem suas próprias formas de continuar persistindo. Você o estará executando, mas não se reconhecerá como seu autor, estará fazendo isso pela força do hábito.
Você continua pensando que é você quem está decidindo, mas na realidade está apenas reagindo ao comportamento dos outros. Você se justifica pensando que a situação só permitiria a você reagir assim, a situação exigiu de você este comportamento.
Independente do que esteja acontecendo com você, se continuar a colocar a responsabilidade no outro você não conseguirá realizar as mudanças que deseja fazer. Isso significa que alguma coisa vem primeiro, de dentro de você, e você a associou a outra pessoa.
Você tem que retroceder a causa original dentro de você, se alguém te pareceu desagradável talvez seja porque tocou em uma ferida sutil que você possui. Você se sente infeliz com algo que julga ser um defeito seu, algo que fere a sua auto-estima, dessa forma quando outro te faz entrar em contato com isso, torna-se desagradável para você.
Quando você estiver mais consciente de suas próprias questões internas, você estará pronto para agir, você será mais verdadeiro, mais livre. Perceberá que é você quem faz a manutenção de seus comportamentos, você tem sempre a possibilidade de escolher.
Saber que somos de nossa inteira responsabilidade nem sempre nos faz sentir confortáveis. Realizar mudanças não costuma ser fácil, exige reflexão, disciplina e muita disposição para entrar em contato com nossas feridas internas. No entanto, a verdade é uma só, não adianta repetirmos os mesmos padrões de comportamento esperando que os resultados, magicamente, se apresentem de forma diferente. 

DESPERTAR

Acordara cedo, o dia estava lindo, espreguiçando despertou-se saciada, não havia mais sonhos nem sono. Abrindo os olhos lentamente planejou mentalmente seu dia como lhe era de costume.
Como naufraga da vida, percebeu-se em sua ilha com dimensões bem definidas, ou melhor, dizendo, “com limitações bem definidas”. Por alguns instantes vislumbrou rapidamente algumas das ilusões perdidas, aquelas encarceradas pelas emoções mal resolvidas.
Vendo-se cercada por um mar de possibilidades, se sentiu sozinha, não sabia escolher, nem tudo lhe pertencia, mas sentia que algo precisava mudar. Talvez fosse aquela sensação de “como se fosse a última estação” para as mudanças. Ou um “há de se conformar”, sacudiu a cabeça vigorosamente, não podia se imaginar refém da vida daquele jeito.
Percebeu que a muito vinha reclamando das pessoas, à custa de uma insatisfação que era muito sua, apenas sua. Respirou fundo e agora com certo grau de euforia e entusiasmo já se sentia melhor, apesar de só. Num misto de indignação e alivio se apropriou de sua bagagem como quem sai de um trem cujo destino desconhece, aqueles dos filmes “cult” em preto e branco.
Imaginou-se de chapéu e sobretudo, com algumas malas de papel e pode rir de si mesma, sem se importar em como iria carregá-las. No íntimo apenas a certeza de que de agora em diante faria tudo diferente, a mudança seria na essência.
Pensou no possível, no impossível, revirou suas gavetas internas, e olhou distraidamente o relógio percebendo que já era hora de ir para o trabalho. No enquadre do tempo, enquadrou as suas novas perspectivas, ainda que não soubesse como realizá-las.
Tomou um banho sentindo todo o prazer de estar viva. Arrumou-se e rumou para estação da vida de chapéu, sobretudo e malas prontas, como alguém que agora busca conhecer melhor o seu destino. Pronta para aceitar e viver, mas sempre alerta, consciente, lúcida e atenta.